Ser contra o desmatamento é chique, está na moda, pega bem. Criar políticas eficazes que realmente invertam a lógica da exploração e criem alternativas de renda e emprego que, além de evitar o desmatamento, transformem as pessoas em agentes de defesa das florestas é, no entanto, o grande desafio que precisa ser enfrentado para reduzir drasticamente o desmatamento.
A campanha do Greenpeace para reunir 1,4 milhão de assinaturas a fim de propor um projeto de lei de iniciativa popular começa a ganhar o apoio de celebridades e políticos. O projeto visa instituir o desmatamento zero no Brasil sem incluir mecanismos que ataquem os vetores do desmatamento e criem incentivos para dar valor à floresta e seus recursos.
Os agricultores são, na visão de grande parte da sociedade, os culpados pela ânsia por terras. A agricultura comercial é a vilã, pois sua demanda por novas áreas gera desmatamento na Amazônia, Cerrado e Caatinga. A discussão do Código Florestal ajuda a esquentar a visão de que os produtores são os grandes culpados, que abandonam terras degradadas, têm baixa produtividade e continuarão demandando mais e mais áreas.
No entanto, o problema é muito complexo e não se trata de uma situação de bons e maus, mocinhos e vilãos. A grande agricultura não é a única responsável pelos males do desmatamento. É preciso considerar e atacar o desmatamento feito por pequenos agricultores e por assentados da reforma agrária. Cada vez mais se observa o aumento da proporção do desmatamento de pequena escala na Amazônia, como detalhado em recente estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).Essa tendência dificulta o monitoramento via satélite e a definição de políticas para conter o desmatamento. Enquanto os pequenos produtores e assentados não tiverem acesso à capacitação e tecnologias, e assim puderem sair da condição de subsistência, esse desmatamento formiguinha continuará independentemente de leis que autorizem ou não o corte de vegetação nativa.
A falta de incentivos concretos que fomentem o manejo florestal sustentável é outro fator que gera desmatamentos. Após a exploração ilegal da madeira, a terra acaba sendo utilizada por pecuaristas e pequenos produtores ou fica abandonada.
A regularização fundiária em todo o Brasil, especialmente na Amazônia, é outra ação urgente que precisa ser feita para que seja possível conter e monitorar desmatamento. Não é concebível que a sexta economia do mundo não tenha um mapeamento detalhado e completo sobre o uso de seu território, em áreas privadas e públicas.
Fazer gestão das áreas protegidas é outro gargalo da política ambiental brasileira. Existem atualmente 103 milhões de hectares de terras indígenas regularizadas e 106 milhões de hectares de Unidades de Conservação (UC). Estudo recente do Imazon e do Instituto Socioambiental (ISA) indica que, na Amazônia Legal, 50% das UCs não possuem plano de manejo aprovado e 45% não têm conselho gestor, e a média de funcionários é de uma pessoa para cada 187 mil hectares.Não adianta criar áreas de proteção sem regulamentar seu uso, seja para pesquisa seja para ecoturismo quando for o caso, como ocorre nos parques mundo afora. Talvez seja justamente essa desconexão da sociedade com a natureza que provoca esse desconhecimento sobre os reais desafios de se manter as florestas em pé no Brasil.
A regularização ambiental que se pretende com a aprovação do novo Código Florestal visa justamente melhorar a gestão do uso da terra e coibir novos desmatamentos. Quem cumprir as obrigações relativas às Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal e ainda tiver remanescentes de florestas poderá desmatar legalmente desde que inscrito no Cadastro Ambiental Rural e após aprovação do órgão competente. Mas, também poderá conservar a área para compensar a Reserva Legal de outra propriedade, recebendo para manter a floresta em pé.Vale frisar que os dados de desmatamento no Brasil não permitem uma separação consistente entre desmatamento legal e ilegal. Estima-se que quase 90% seja ilegal e é urgente implementar o CAR e fazer gestão fundiária para poder controlar e monitorar o desmatamento de forma efetiva.
É interessante destacar que o projeto proposto pelo Greenpeace prevê que os agricultores familiares poderão continuar desmatando durante cinco anos, desde que o poder público faça extensão rural e crie formas de geração de renda que permitam o uso sustentável da floresta. Enquanto isso, os indígenas poderão desmatar de acordo com leis específicas.
Uma lei como essa anularia o Código Florestal e leis que estabelecem Zoneamentos Ecológicos Econômicos (ZEEs) nos Estados. Isso criaria um cenário de enorme insegurança jurídica, prejudicando a produção de alimentos, energias renováveis, investimentos, geração de renda, empregos, arrecadação fiscal, entre outros fatores. Além disso, certamente geraria um aumento do desmatamento considerando a possibilidade da adoção de uma moratória.
Reforçar o combate ao desmatamento ilegal é fundamental. Políticas como os planos de controle na Amazônia (PPCDAM) e no Cerrado (PPCerrado) precisam do suporte da regularização ambiental das propriedades privadas, do ordenamento fundiário e de políticas de suporte técnico a assentados.
É preciso ir além das tradicionais políticas de comando e controle. Enquanto a pobreza for um dos fatores que geram desmatamento, não haverá lei que consiga controlá-lo. E, infelizmente, essa é uma realidade em diversas regiões do Brasil, especialmente na Amazônia e no Nordeste.
Não é com uma canetada, como sugere o projeto do desmatamento zero, que o problema será resolvido. É fundamental criar mecanismos que transformem o imenso valor das florestas em recursos para as pessoas que as mantenham em pé. Programas como Bolsa Floresta, Produtor de Águas, projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação - REDDplus e outros arranjos piloto precisam ganhar escala e chegar a todos os cantos do País. Essas são ações que efetivamente ajudarão a tornar o sonho de reduzir desmatamento em realidade.
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