Alegando ter havido negociação com Planalto, relator do Código Florestal resgata a famigerada emenda 164, que consolida todas as ocupações irregulares ocorridas em áreas de preservação até 2008. Proposta, que deverá ir a votação na próxima semana, também abre flanco para mais desmatamentos
Como havia sido anunciado, o relatório do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) para o Código Florestal muda pouco, mas muda no essencial o texto aprovado pelo Senado Federal, celebrado pelo Planalto e ruralistas como um “grande acordo” que promoveria “o maior programa de recuperação ambiental do mundo”.
Se for aprovado da forma como foi apresentando ontem (19/4), o texto só levará o Brasil à liderança mundial no quesito recuperação se houver uma guerra entre Europa (que recupera 800 mil hectares/ano) e China (que mais que duplicou sua cobertura florestal nos últimos 50 anos). Porque, se o projeto virar lei, por aqui praticamente não haverá mais restauração florestal.
Como vinha sendo anunciado pela imprensa, Piau retirou partes do art.62, justamente aquelas que determinam que, no caso de matas ciliares, deveria ser recuperada metade da área ilegalmente derrubada. Nas demais áreas de preservação, como topos de morro ou manguezais, o texto aprovado pelo Senado já não exige qualquer recuperação.
Em sua justificativa, o deputado alega que “a supressão dos parágrafos citados não significa dispensa de recomposição das APPs”, pois, segundo ele, caberia aos Programas de Regularização Ambiental, a serem criados pelos governos estaduais, fixar essas faixas de proteção. Não é, entretanto, o que diz o projeto de lei que ele mesmo apresentou. Ali está escrito que nas APPs “é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008”. Ou seja: a lei está explicitamente autorizando a manutenção dessas ocupações, o que inviabilizaria que qualquer programa estadual venha exigir do proprietário alguma recuperação, por mínima que seja.
Outra mudança operada pelo relator é no art.64, a qual permite a manutenção de pastagens em topos de morro (que são APPs), algo que o Senado havia restringido. Com isso, na prática, não será obrigatória mais a recuperação de um hectare sequer de áreas de preservação permanente no país. Anistia 100%.
Mas há outros pontos importantes que ele modifica. Como previsto, retira os princípios que deveriam guiar a aplicação da lei, dentre eles “a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, da biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos e com a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras”. De acordo com o deputado, esse princípio “extrapola a razoabilidade” e, por isso, não deve constar da lei. Em outras palavras, é um absurdo imaginar que o Código Florestal deva servir para preservar a biodiversidade e os recursos hídricos.
Do relatório que havia vazado mês passado há, em resumo, poucas modificações a mais além do aumento na anistia. Todos os demais pontos que promovem aumento do desmatamento e diminuição da recuperação permanecem, com exceção de alguns poucos. Um deles diz respeito ao Cadastro Ambiental Rural. Antes, propunha retirar a transparência, evitando que os dados fossem disponibilizados na internet. Agora, mantém o dispositivo do Senado. Mas fará pouca diferença: se ninguém terá mais qualquer tipo de passivo, independentemente do tamanho da ilegalidade cometida, não tem problema colocar em público esse “certificado verde”. Pelo contrário, servirá para emoldurar a cara de piau dos que desmataram ilegalmente e, agora, vão se “dar bem”.
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